segunda-feira, outubro 25, 2004

Às vezes, ou quase sempre, fico espantada com o teu crescimento, e da maneira fácil em que se transforma em desenvolvimento repentino. Sempre achei que és estimulada como poucas crianças são, porque afinal nem todos têm o privilégio de ter uma educadora privada, a quem tens também a alegria de chamar avó.
Por isso os teus dias em casa nunca são monótonos. Ao ponto de pesares em pratos de balança se te apetece ou não, todos os dias, ir ao Infantário. À escola apelativa, pintada de cores, onde se multiplicam os jogos, as canções, e sobretudo os meninos, de quem tanto gostas. Onde fazes desenhos sem fim, dos quais te perguntei uma vez, romanticamente, qual seria a sua representação. Encolheste os ombros, como que a substimar a minha inteligência, e disseste simplesmente: "ó mamã... são riscos". E eu que julgava que, para ti, os riscos eram carrosséis, bombons, casinhas e brincadeiras.
Ontem cheguei a casa, farta do trabalho e de tudo. Qual soldadinho de chumbo, a avó exibe orgulhosa mais uma obra prima. Pede-te: "Helena, vai buscar a letra do nome da mamã". Trazes o V, que exibes aos saltinhos. Escolheste-o no meio de um puzzle colorido de todas as letras do alfabeto, com alguns números à mistura. "A da tia Patrícia e do Tio Pedro, e do Papá". Trazes um P com convicção. Segue-se o nome da Tia Rita. E depois: "Vai buscar a letra do nome da Helena!". E lá vais tu a correr, aos gritinhos. E eu, enternecida, deitada, extenuada e surpreendida. Trazes-me um M e um H. De Maria Helena.
Achei depois que te conseguia confundir, princesa, trocando a ordem das peças e das letras. Mas quem se enganou fui eu...

sexta-feira, outubro 22, 2004

Estás cheia de tosse, queres um xarope igual ao que o papá tem em casa. A mamã, descuidada como sempre, tenta arranjar um tempo para ir à Farmácia, entre o projecto "levar Helena à escola" e "correr-para-o-trabalho-porque-não-se-pode-chegar-tarde"!
Hoje, como é Sexta-Feira, é o teu dia preferido na escola. Antes do almoço, entras no autocarro que te leva à ginástica. Estás a adorar o "perssor", porque ele canta "agora vou passear, quem quiser pode acompanhar". E tu acompanhas... Mas enquanto te deixo, na escola, desejosa de ver o autocarro, pedes de novo: "mamã, não te esqueças de comprar o meu xarope"!
E a mamã lá foi à Farmácia. Entrou e perguntou se havia algum xarope para a tosse que se pudesse dar a um bebé. E a senhora perguntou: "bebé de quantos meses?". E a mamã, envergonhada, respondeu: "três anos". A senhora riu-se. E a mamã ficou a pensar em ti, meu bebé, tão grande mas tão pequenino, que ainda ontem nasceste, e já tens quase três anos...

segunda-feira, outubro 18, 2004

Chegou o Outono, princesa. Pintado de folhas, com cheiro a pregões de castanhas assadas e batatas doces. Chegou na chuva, que cai insistente, e nos molha as ruas e a alma. No frio congelante e anunciado, que me apanha sempre desprevenida...
Chegou o Outono, e tu estás em casa do papá. Falas comigo com voz de bebé acabado de acordar, e tenho a certeza que todos os meus dias são uma Primavera constante!

sexta-feira, outubro 15, 2004

A Ziggy tinha um dói-dói muito grande, e morreu e foi para o céu. Ficas indignada, a olhar para a gaiola, onde falta a coelha a quem todos dias de manhã fazias questão de dizer "Bom dia!". Queres saber onde ela está, e porquê, onde é o ceú, e porquê, onde era o dói-dói, e porquê, o que é que ela tinha papado, que lhe tinha feito mal, e porquê. E mais... porque é que ela era preta, porque é que escapava sempre que tinha oportunidade, porque é que fugia quando lhe querias fazer festinhas no pêlo fofinho, porque é que já não podes por-lhe comida na tacinha, que ela devorava, porque é que já não te morde os dedinhos,... porque tudo! A tua curiosidade pelo mundo e pelas coisas que te rodeiam é tal, que muitas vezes fico sem palavras, sem saber o que te dizer ou que te explicar. Certo é que decidi ver-te crescer sem esconderijos, sem tabus ou falsas verdades. Tarefa complicada para a mamã, que tantas vezes tem que inventar mil e uma histórias e personagens, para que a vida não seja para ti incompreensivelmente estranha.

Engraçado é ver, no fim dos relatos, a versão que utilizas, para contar a toda a gente. Na tua inocência não existem segredos. A não ser aqueles que contas baixinho, ao ouvido, a toda a gente numa sala. A toda a gente! No outro dia houve uma reportagem na televisão lá perto da casa da avó, lembras-te? Quiseste saber o que é que os senhores lá estavam a fazer, o que é que ía aparecer na televisão, e porquê. Hoje contas alegremente que os senhores queriam cortar a estrada, mas o Manel não deixou, nem os outros senhores que vieram. E agora não se pode fazer uma ponte maior. Contas também que na escola, quando estás a papar a chicha a Carolina, que é feia, puxa o "gómito", e não papa a sopa toda, e fica de castigo, porque faz xixi nas cuecas e não come os bombons e as bolachas. Contaste no outro dia que a avó Lurdes e a Velha tinha ído ao "méquido", para papar comprimidos, daqueles que são bolinhas pequenas de cores, que tu ao longe invejas. Contas a quem te quer ouvir que o avô Emídio morreu e foi para o céu, porque, como a Ziggy, tinha um dói-dói muito grande. Perguntas-me, quando tenho uma dor de cabeça já habitual, se também vou para lá. Sossego-te e digo que não. A mamã está aqui e fica contigo até tu quereres e Deus permitir.

E fica a olhar para ti, e a ouvir-te crescer, baixinho. Como já te prometeu...

sábado, outubro 09, 2004

Hoje tenho a certeza que vivi um dos momentos mais felizes da vida! Daqueles que permanecem em nós, e vivem connosco, e se transformam em imagens eternas...

Tu, que não querias dormir, como sempre. Eu contigo, deitadas na cama. Não resisto aos teus apelos de menina e regresso ao passado. Em vez de te ralhar, ou de te tentar sossegar, faço-te cócegas sem parar na barriga. Não aguentas e ris às gargalhadas, enquanto gravo em mim instantes do teu riso.

Se morresse hoje, morria feliz. O teu sorriso cheira à minha infância, e a pão com marmelada!

sábado, outubro 02, 2004

Hoje é um dia que a mamã não pode deixar passar em branco, por ser em tempos um dia feliz. Quando a casa de avó se enchia de alegria e de cores, de música, de gentes e de cheiros. Numa azáfama que não conheceste. Os amigos, a família, os conhecidos, apareciam todos, e as surpresas sucediam-se. Um mágico, um cantor, ou um porco no espeto. Como se fossem as coisas mais naturais do dia-a-dia. Uma senhora que levitava, uma pomba que aparecia de uma cartola, uma roda de sorrisos e de gentes, balões, fitas, comida e bebidas. Mesas intermináveis, cadeiras mil. Sonhos tão perto da felicidade. O avô Emídio, que não conheceste, fazia hoje 52 anos...

Falar-te do teu avô é difícil, bebé. Era altivo nas acções e nas palavras, era respeitador. Era duro nas alturas certas, sempre atento, preocupado em cultivar-nos. Amava a vida, a família, os amigos. Era orgulhoso daquilo que nos deu, de quem nos tornámos, do que nos podia proporcionar. Incutiu-nos o gosto e a curiosidade pelas viagens e pelo mundo. Ensinou-nos a crescer com valores fortes, com personalidades vincadas, com vontades universais. Deus deu-te o seu sorriso, as suas expressões, o seu queixo redondinho...

Hoje não celebramos os 52 anos de vida do avô, mas existe em mim um misto de alegria e de saudade. Choro com mágoa, pela perda, mas no fundo apetece-me sorrir. Porque com o tempo, filhota, a saudade das pessoas boas que conhecemos, de quem sofremos a falta, transforma-se em carinho, em amor forte, em esperança. Transforma-se numa coisa doce, num relembrar feliz. Porque o avô era tão especial e gostava tanto de nós, e queria tanto ter a certeza de que a nossa vida ía ser pautada pela alegria.

Hoje não celebramos o seu aniversário, mas sim aquela pessoa, aquela vida que não morreu, e que está sempre presente, todos os dias, dentro de nós...