Há senhores, senhoras, meninos e meninas que não têm a felicidade de nascer como tu, saudáveis. Como aqueles que a mamã conheceu quando era da tua idade, e ía para a escola onde a avó dava aulas. Aqueles que muitas vezes não aprendem a ler, escrever, ou sequer a falar. Aqueles cujos olhinhos foram maus e não vêm nada para além de escuro, como do teu quarto, que não gostas. Aqueles a quem Deus levou sem querer as perninhas, ou os bracinhos. São pessoas diferentes, não deficientes, mas com deficiências. E lutam, como a mamã, e como todos nós, por uma vida melhor, mediante os condicionalismos que têm. Lutam contra uma sociedade ou um grupo de outras pessoas que os marginalizam e os desprezam, porque, ao contrário da mamã, não cresceram com eles.
No outro dia víamos atentas estes senhores a jogarem uns jogos especiais na televisão. Era uma prova de natação, numa piscina enorme de azul, onde tu gostas tanto de mergulhar, amor. E a mamã chorava compulsivamente, não de tristeza, mas de orgulho. Por sentir que há países onde estas pessoas diferentes são valorizadas, e apoiadas, e queridas, e vangloriadas. Porque o mundo está a mudar, e no nosso país, felizmente, nem que seja apenas nestes dias, todos nós nos preocupamos com as diferenças destes senhores, e senhoras. Porque o dos senhores que nadava, parecia um peixinho, e não tinha braços, e nadava com mais força do que todos. Quanto mais ele nadava, com o corpo ondulante à tona da água, mais a mamã, tonta, chorava!
No final ganhou. Saiu da água com um sorriso estampado nos rosto, e uma alegria desmedida que visivelmente lhe saltava do peito. A mamã chorava mais ainda. E tu, indignada, quase zangada, dizias: "O senhor não tem braços. Assim não pode vestir a roupa..."