sexta-feira, agosto 27, 2004

A mamã tem que trabalhar quando os outros papás e mamãs já estão em casa, com os filhotes. É por isso que, às vezes, não te vai buscar à escola. É por isso que, quando "tá Domingo", ficas com a avó, vais ver as galinhas da Tia Maria, ou vais à loja e ao Café, com os tostões, como tanto gostas! És igualzinha à mamã quando tinha a tua idade: preferes ter três moedas de valor inferior a duas de maior valor. Mas pelo menos já te ensinei a distinguir as "pretas" das "brancas". A mamã não quer que ponhas as "pretas" no mealheiro, que é um porco, que vai pagar as nossas férias do ano que vem, no avião. Gostaste tanto de andar de avião. Eu tenho medo, como o avô Emídio tinha, que nunca chegaste a conhecer. Está no céu, como te ensinei. Foi para o céu, alguns meses antes de nasceres. Tens o sorriso dele. Espero e anseio que dele tenhas também outras coisas: a simpatia, a humildade, a alegria, e sobretudo uma capacidade inesgotável de amar tudo: a vida, as pessoas, os lugares.
O avô Emídio é e vai ser sempre uma referência. Só o conheces das fotografias, mas eu faço questão que ele esteja presente nos teus dias. Era o papá da mamã. Que deu colinho, que levou a mamã a conhecer o mundo, que fez sempre questão que a mamã estudasse, e que não lhe faltasse nada, que ensinou a mamã a sonhar. O avô teve um dói-dói muito grande e Deus deu-lhe umas asinhas. Brancas e fofas, como o algodão doce. A mamã fala muito com ele, pede-lhe muitos conselhos, e lamenta apenas que ele nunca tenha tido o prazer de te tocar, de te cheirar, pequenina. Um dia, quando fores maior e conseguires perceber, a mamã leva-te ao sítio onde a alma do avô Emídio descansa!
A vida é assim, bebé. Leva-nos, por vezes, quem nós mais amamos. Mas a ausência física não significa falta de amor. Como agora. Eu estou aqui, sozinha. Tu estás em casa do papá. E eu vou-me lembrando de ti, do seu sorriso, e a única coisa que consigo fazer é chorar. Porque sou feliz. Porque apesar de tudo, apesar do avô ter asas, e estar no céu, apesar de não estar ao pé de ti, apesar de não poder conversar contigo. Apesar de tudo. Tenho-te. E basta...

quinta-feira, agosto 26, 2004

Quando vais para casa do papá é sempre a mesma alegria. Agora no Verão, com a praia cheia de crianças, o teu sorriso rasga-se ainda mais e corres indefinidamente para que te vista o biquini. Queres o escorrega, queres andar no baloiço, queres a toalha do Batatoon e os óculos de sol. Nem preciso de te dizer três vezes que tens que ir no carrinho, porque assim que me apercebo já subiste e já apertaste os cintos, cuidadosamente.
Gostas do sol, atrai-te o mar. Diria, se fosse possível, que é genético. Meu, não herdaste o medo, e o respeito. Apenas o fascínio do papá, a atracção. Não queres saír dos barcos, inventas histórias sem fim, segues à risca as normas de segurança que te obrigam a usar o "coleto". Misturas-te facilmente na multidão, e depressa encontras ou fazes amigos, num código secreto que nem ouso entender. Falas com toda a gente, ris-te, e não páras. Com uma energia inesgotável, percorres o areal imenso e regressas, sempre com a mesma alegria. Saltas para a água, mergulhas, enches-te de areia, fazes desenhos e castelos.
E eu fico a ver enquanto te afastas. Adoro ver-te assim, sabias? Sento-me na esplanada e registo cada passo teu, cada movimento que não quero perder. Oiço de longe os teus gritos e tenho a certeza de que és feliz. Pena que a vida não seja um Verão eterno!
Quando regressas, já cansada, és muitas vezes vencida pelo sono. Quando ainda resistes a chegar a casa do papá acordada, adormeces profundamente em cima da mesa do jantar. Venceste as ondas pequenas do mar, os montes de areia brilhante, o soprar confuso do vento, os brinquedos das outras crianças. Mas quem te venceu foi Morfeu, que te leva para longe, em sonhos profundos. E eu fico a adivinhar, quando sorris enquanto dormes, que nos teus sonhos há mais praias. E uma areia fofinha e quente, prestes a ser pisada...

sexta-feira, agosto 20, 2004

"Amanhã o João Pedro mordeu-me", dizes com o olhar triste, enquanto me mostras mais uma boquinha marcada no braço. Os dentinhos perfeitamente desenhados, a denunciarem a dor. As dores. Nos últimos dias tem sido sempre assim! Apareço no Infantário, para te levar para casa, muitas vezes sabe-se lá com que humor. Mas assim que entro, sei que acabaram os problemas, as angústias, os medos, enfim. Assim que passo a porta abro os braços e recebo-te com um sorriso e uma saudade tão grande de te abraçar. Mas estás triste, ou pareces aliviada quando me vês. Dantes corrias para o meu colo, enquanto gritavas pela "pepê", ultimamente não, tens medo.
A mamã queria ficar contigo, proteger-te, sofrer por ti as tuas preocupações. Queria viver por ti o teu dia-a-dia, salvar-te dos dentes eficazes do João Pedro, dos ataques constantes da Solange, ou simplesmente estar ao pé de ti, para te embalar, enquanto lutas fortemente contra o sono, num choro suave. Mas a vida não é assim, querida. Ensina-nos, desde cedo, a criarmos as nossas metas, a ultrapassarmos as barreiras e as dificuldades. Ensina-nos a viver em conjunto, para o bem e para o mal. A vida é simplesmente um Infantário grande, onde lutamos pelos nossos direitos, pelas nossas convicções, pelas nossas paixões. E tu, tão pequena, já te vais apercebendo.
E eu, filhota, que sou tua mãe, que te tenho para sempre, ouvi um dia uma verdade tão verdadeira e tão única que me ensinou a mim a reagir às tuas tristezas. Não posso evitar que caias, princesa, mas posso estar lá, sempre, para te ajudar a levantar...

quinta-feira, agosto 19, 2004

Aqueles "senores" e "senoras" que vês na televisão, filhota, são desportistas. Correm como tu, quando foges quando te quero pentear, lutam como tu, pelos brinquedos do infantário, nadam como tu, na piscina da avó, de onde nunca queres saír, chutam a bola com força como tu, enquanto gritas "gooollooooo"! Estão nos Jogos mais antigos que conhecemos, que começaram na Grécia, para onde regressaram! São heróis do nosso tempo, como a Branca de Neve e o Patinho Feio. Enchem-nos de orgulho e de esperança no futuro. Renovam as forças e procuram sempre, sempre, fazer o seu melhor. E a mamã vê o atletismo, a vela, o futebol, o box, tanta coisa, que fica a pensar no que te deve dar, ou porporcionar. Porque estás crescida, mel, e qualquer dia é a tua vez!
Se a personalidade se adivinhasse, serias bailarina. És feminina, vaidosa, meticulosa. Procuras sempre alinhar os brinquedos, e as roupas. Adoras estar bonita. Sentes-te bonita. Sabes que és bonita! Mas também serias futebolista. Tens força, és destemida, acreditas. E não tens preferência de clube. És de todos, consoante a ocasião. Gritas apenas "Putugal", enquanto agitas a bandeira e o cachecol. Ou serias velejadora. A tua atracção pelo mar é genética. Só pode ser. Pedes vezes sem conta ao papá que te leve com ele, enquanto ensina os outros meninos. Não tens medo, e insistes sempre que queres o teu "coleto". No outro dia passeaste com ele pela casa, horas a fio! E nadadora? bates os pezinos, freneticamente na água. Mergulhas, saltas, brincas! E a mamã cada vez fica mais confusa!
Não preciso que ganhes medalhas, nem que te ponham coroas de flores na cabeça, enquanto erguem a bandeira do teu país. Não preciso que aplaudam a tua passagem, e que te relembrem ano após ano, pelos feitos desportivos históricos. Porque heroína já tu és, em mim, na minha vida. E faças o que fizeres, sejas quem fores, pratiques o desporto que praticares, vais ser sempre a Helena. Aquela que ontem à noite, baixinho, me perguntou "mamã, és a minha amiga?"

segunda-feira, agosto 16, 2004

A madrinha da mamã vive muito longe daqui. Mais longe, do que o caminho que julgas distante, que te leva ao infantário onde às vezes te deixo. Tão longe, que os teus dedinhos não são suficientes para contar as horas que demomoraríamos a lá chegar. A madrinha da mamã, a tia "Imelinda", como dizes, teve uma vida carregada de coisas más, porque há homens maus. Como o Lord do Shrek, que o persegue, ao qual tu fazes feias. Lembras-te?
Por isso é que a mamã, sempre que pode, enche a madrinha de mimo. Por isso lhe telefona, tantas vezes, por isso pensa tanto nela. Porque ela, lá de longe, também sente muito a nossa falta. Por isso é que hoje decidi tirar-te fotografias, amor. Porque queria que a madrinha, ao ir-se embora lá para longe, levasse um bocadinho de ti na mão. Porque no coração já ela te trás desde que nasceste!
E tu surpreendes-me sempre, pequenina. Como que se adivinhasses as minhas vontades. Visto-te o biquini, antes de ires feliz para a praia, sento-me à tua frente, com a máquina do papá, e tiro-te fotografias sem fim. Sinto e sei que tenho que perpetuar cada momento teu, cada gesto, cada expressão. E tu, vaidosa como sempre foste, vais mudando de posição, com as mãos na cintura, e sorrindo. Porque sabes que és linda, sabes que, para onde vais, ou por onde passes, todos te contemplam. Tens brilho, filha! Tens cor! E tens a mamã mais orgulhosa do mundo...

sábado, agosto 14, 2004

Como é que te explico, princesa, que a vida nem sempre nos corre como queremos, ou como idealizámos. Como é que justifico a ausência de alguém que faz tanta falta aos teus dias? Como é que consigo, contigo, assumir a minha incapacidade de, no passado, te dar a família que tive, e desejei para ti?

A mamã passa os dias a trabalhar, com horários incertos, por isso é que há tantas vezes que não chega a ver-te. Mas é só por ti. Para que cresças, com saúde, com tudo o que a mamã teve. Sabes, faço questão em levar-te a conhecer outros mundos, como no outro dia em que foste aquele museu da ciência, e gostaste tanto. Ou como naquelas férias, no hotel da praia, onde os teus horizontes se resumiram à piscina, tão grande e tão azul. Um dia vamos rir as duas quando te contar que fomos ao Teide, e que não fizeste outra coisa senão dormir. Ao meu colo. Como quando eras pequenina! Aquelas paisagens únicas, meu amor, passaram ao lado do teu sono profundo, e eu sei, nas histórias que te conto, que fazem parte dos teus sonhos, e das tuas fantasias.

O papá vem buscar-te às vezes, quando combinamos. E eu faço tudo o que consigo e que não consigo para que não sintas a sua ausência. Sei que o chamas, quando te aborreces comigo. Sei que sentes saudades. Mas filhota, não fui capaz. Vivemos todos juntos, mas naquela altura não me sentia bem. Talvez a minha relação com o papá tivesse sido tão repentina, que se tornou efémera. E como é que te explico o que é que isto quer dizer? A nossa casa agora está fechada, há quase um ano que não consigo entrar lá. Sempre que lá vou, querida, choro como se fosse uma menina como tu. Apesar de tudo, aquela é a casa. A nossa. Onde tudo foi pensado, imaginado, e cuidadosamente feito para que fossemos felizes assim. Mas os homens e as mulheres, ao contrário das crianças, teimam em complicar coisas tão simples como o amor. Hoje sei o que é o amor, porque te tenho...

Mas filha, o papá e eu, lá nos vamos entendendo. Quase um ano de ausência e de distãncia fez-nos bem. E eu re-aprendi a amá-lo. Sem falsidades, sem desconfianças. Aproveitei o que de melhor tínhamos tido, e tento aos poucos reconstruir uma relação que deixámos degradar, sem eu me aperceber. Comecei do nada de novo, minha filha, porque anseio todos os dias ter resposta para te dar quando me perguntas porque é que não estamos todos juntos. É o teu desejo, querida, e o meu também...

sexta-feira, agosto 13, 2004

Cresceste tanto, filhota, que as roupas já não te servem. Cresceste desde ontem, quando saí de casa, e dormias profundamente, numa calma que só a ti reconheço. Cresceste desde que te afaguei os cabelos e te beijei a face, enquanto sorrias. Quando olho para ti, sei e tenho a certeza de que a felicidade existe. Porque desde que nasceste, que sou mais feliz. Não só porque vieste preencher um vazio deixado pela ausência do teu avô, talvez por teres cara de anjo, como ele. Sabes que são parecidos, filha? Tens o mesmo nariz pequeno, e arrebitado, fazes as mesmas expressões, e o queixo é inconfundível. Por isso tenho a certeza de que foi Deus que te trouxe, para nos compensar a todos, pela tristeza profunda que tínhamos atravessado.

Mas filhota, desde que te vi pela primeira vez, tive a certeza de que estávamos unidas para sempre. Apesar de te terem cortado o cordão ao fim de 36 semanas dentro de mim. Apesar de, algumas vezes, ter que te deixar, e não ficar ao pé de ti, como gostava e como merecias. Habituei-me á tua presença, ao teu cheiro. E a primeira coisa que faço quando te vejo, é cheirar-te. Para ter a certeza que estás ali, ao pé de mim, e que és a Helena. A minha Helena. Sabes que, apesar de nunca querer saber, sempre soube que eras tu? Sonhava contigo, com a tua presença, sentia o bater dos teus pezinhos. E quando te viram nascer, quando me disseram que eras uma menina, a minha menina, tive a certeza de que a natureza não se engana, e eu também não me tinha enganado.

Querida, há dias dei por mim a recordar os ainda poucos momentos da tua vida. Porque tenho medo, ou receio, que as memórias se percam. Tenho medo de me esquecer de alguma das tuas fases. Lembro-me de te achar tão pequena, e ver-te tão linda, quando nasceste. Sei que te amamentei por pouco tempo, mas que te dei tudo de mim, nos teus primeiros meses, apesar de às vezes me sentir meio perdida. Lembro-me quando te levei para o Infantário, e o que me custou deixar-te ao fim de 7 meses de uma presença constante. Lembro-me das tuas primeiras palavras, ou dos dentes que teimavam em não nascer, e das vezes a fio que me chamaste papá, quando te ía buscar à escola. Sou a mamã, filha. A mamã que se aborrece contigo, quando fazes asneiras, e que te compensa quando és menina bonita. A mamã que se ri dos teus disparates, da altivez com que dizes o teu nome todo, e da segurança com que, do alto dos teus dois anos, contas os dedinhos, até dez, sem te enganares. Sou a mamã, que chora quando tem que ir trabalhar até tarde, quando tu lhe pedes para ficar, que se emociona com as tuas descobertas e vitórias do mundo, e sobretudo que faz questão, muita questão, de te ensinar a ser feliz. Mas tu, na tua pequenez, é que me tens ensinado quase tudo!