sábado, agosto 14, 2004

Como é que te explico, princesa, que a vida nem sempre nos corre como queremos, ou como idealizámos. Como é que justifico a ausência de alguém que faz tanta falta aos teus dias? Como é que consigo, contigo, assumir a minha incapacidade de, no passado, te dar a família que tive, e desejei para ti?

A mamã passa os dias a trabalhar, com horários incertos, por isso é que há tantas vezes que não chega a ver-te. Mas é só por ti. Para que cresças, com saúde, com tudo o que a mamã teve. Sabes, faço questão em levar-te a conhecer outros mundos, como no outro dia em que foste aquele museu da ciência, e gostaste tanto. Ou como naquelas férias, no hotel da praia, onde os teus horizontes se resumiram à piscina, tão grande e tão azul. Um dia vamos rir as duas quando te contar que fomos ao Teide, e que não fizeste outra coisa senão dormir. Ao meu colo. Como quando eras pequenina! Aquelas paisagens únicas, meu amor, passaram ao lado do teu sono profundo, e eu sei, nas histórias que te conto, que fazem parte dos teus sonhos, e das tuas fantasias.

O papá vem buscar-te às vezes, quando combinamos. E eu faço tudo o que consigo e que não consigo para que não sintas a sua ausência. Sei que o chamas, quando te aborreces comigo. Sei que sentes saudades. Mas filhota, não fui capaz. Vivemos todos juntos, mas naquela altura não me sentia bem. Talvez a minha relação com o papá tivesse sido tão repentina, que se tornou efémera. E como é que te explico o que é que isto quer dizer? A nossa casa agora está fechada, há quase um ano que não consigo entrar lá. Sempre que lá vou, querida, choro como se fosse uma menina como tu. Apesar de tudo, aquela é a casa. A nossa. Onde tudo foi pensado, imaginado, e cuidadosamente feito para que fossemos felizes assim. Mas os homens e as mulheres, ao contrário das crianças, teimam em complicar coisas tão simples como o amor. Hoje sei o que é o amor, porque te tenho...

Mas filha, o papá e eu, lá nos vamos entendendo. Quase um ano de ausência e de distãncia fez-nos bem. E eu re-aprendi a amá-lo. Sem falsidades, sem desconfianças. Aproveitei o que de melhor tínhamos tido, e tento aos poucos reconstruir uma relação que deixámos degradar, sem eu me aperceber. Comecei do nada de novo, minha filha, porque anseio todos os dias ter resposta para te dar quando me perguntas porque é que não estamos todos juntos. É o teu desejo, querida, e o meu também...

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